Há que abrir os olhos, senhor Sousa

Opinião de Nuno Cláudio

Ponto prévio: deixo claro que este artigo veicula somente a opinião do jornalista e director do Fundamental, ainda que seja indissociável o facto de também integrar a direcção do Aveiras de Cima Sport Clube.
Vem a propósito da aventura que teve início em Maio do ano passado, quando então aceitei o convite do Edgar Pratas para procurarmos revitalizar o clube de futebol da nossa terra (eu sou assim meio carregadense, meio aveirense, mas admito que Aveiras esteja sempre presente cá dentro com uma intensidade especial). Para que os leitores tenham a devida percepção da realidade e entendam o contexto, cá vai uma explicação objectiva do cenário que tinhamos em Maio passado: um clube de portas fechadas há ano e meio; uma sede em risco iminente de derrocada, onde nem os ratos já se sentem à vontade para lá viver; um campo de futebol com um relvado sintético novinho, mas sem qualquer estrutura complementar a funcionar. A saber: os balneários eram quase ruínas saídas de uma qualquer guerra civil de um país asiático, sem sistemas de água, sem meios de garantir água quente, com vidros partidos e paredes e portas a cair de podres. Qualquer divisão daquele complexo era um aprumado depósito de lixo, lixo com décadas de existência e de acumulação. Desorganização total, sujidade e bedunguice que metiam nojo. Sistema de iluminação do campo sem funcionar. O bar parecia saído de um filme sobre os primórdios do século passado com cenário em Trás-os Montes, e a lavandaria faria com que qualquer cigano negociante de roupa fugisse dali a sete pés de susto por ver ser possível tanta confusão, tanto lixo e tanta desarrumação. Em suma, o Aveiras de Cima Sport Clube estava morto. Tinha um relvado sintético novo, é certo, mas quem teve a ideia de dotar o clube com este equipamento foi insensível ao ponto de não perceber que um relvado, por si só, não é suficiente para pôr um clube a mexer! Onde é que largas dezenas de jogadores de todas as idades tomavam banho todos os dias, muitas vezes em noites de inverno com chuva e frio de arrepiar até um esquimó, caso não houvessem balneários decentes e a funcionar? Como é que seria possível a todos os escalões treinarem para as competições de segunda a sexta-feira à noite, caso os postes de iluminação não funcionassem, ou não debitassem uma iluminação suficiente? E como é que seria possível atrair pessoas para as actividades do clube e desta forma gerar as receitas necessárias à sua sobrevivência se não fosse o bem estar proporcionado por uma bancada que facultasse aos sócios e adeptos estarem sentados, confortáveis, a assistir aos jogos ou aos treinos, e um bar que no mesmo contexto complementasse essa vivência da comunidade com o clube? Parece-me evidente e indiscutível que apenas o relvado não chegava para tanto, ainda que um ou dois agentes da política local, talvez cegos com a necessidade de fazer oposição, achassem que o relvado já era muito. Já era até demais, ficou subentendido numa ocasião, embora resista a identificar a pessoa em causa, até porque me pareceu que caiu em si imediatamente após lhe ter feito um retrato da realidade através deste ponto de vista que hoje partilho convosco.
Bom, este foi o Aveiras de Cima Sport Clube que encontrei em Maio de 2013. Tendo em conta que a autarquia investiu quase 500 mil euros naquele relvado sintético(*) e que tudo apontava para termos ali mais um dos afamados elefantes brancos, com o dinheiro dos contribuintes a ser gasto sem que desse gasto/investimento houvesse consequências para a qualidade de vida da população, arrisco a dizer que foi um milagre, na perspectiva da Câmara de Azambuja, que tenha aparecido alguém para dar vida ao clube e, porque não afirmá-lo, salvar o investimento feito pela autarquia. Em boa verdade, e atendendo ao estado de degradação a que a colectividade havia chegado a todos os níveis, só mesmo um milagre bem puxado poderia fazer com que alguém se interessasse por “pegar naquilo”, utilizando aqui uma expressão muito comum em Aveiras. Mas o milagre lá aconteceu, e, na minha modesta opinião, a Câmara só tem que dar graças nem sei a que Santo por haver quem tenha metido a mão naquele caso quase perdido. Só alguém muito insensível é que não percebe que, por muito respeito que tenhamos pela avultada verba dos contribuintes investida no relvado, tal não chegava, nem de perto nem de longe, para que o clube tivesse condições para funcionar. Para que esse “milagre” fosse possível houve que meter mãos à obra e reconstruir quase tudo: os balneários tiveram que sofrer uma intervenção ao nível das paredes, vidros e pinturas, portas e loiças, de toda a canalização, dos chuveiros, e houve que dotar o complexo de cinco termoacumuladores, sem os quais seria impossível garantir banhos de água quente para tantos jogadores (este ano já foram cerca de 60 em actividade permanente). Para que os termoacumuladores funcionassem, tivemos que investir na vertente eléctrica, substituindo toda a instalação antiga e decrépita por novas cablagens, disjuntores e diferenciais. Houve trabalho de muita gente, alguns voluntários (muito poucos): pedreiros, serralheiros, canalizadores, pintores e electricistas. Com as torres de iluminação foi a mesma coisa: novos holofotes, lâmpadas, reatanciais e cablagens com mais secção. Tivemos que substituir cabos danificados aquando da colocação do relvado sintético, que foram deixados quinados e inactivos, porque quem ali colocou o sintético julgou que, colocando o relvado, o trabalho estava feito… E também tivemos que reconstruir a lavandaria/bar, dotando o clube de condições para atrair associados e desta forma ser competente para, num futuro próximo, gerar as suas próprias receitas, projecto no qual se incluiu a nova bancada – se alguém duvida da sua utilidade, é ver como está sempre cheia em dias de jogos no nosso campo, com a consequente afluência ao bar que daí resulta; e note-se que está cheia de pessoas de todas as idades e de ambos os sexos, o que só reforça que a aposta nestas estruturas foi acertada e era imprescindível tendo em conta a viabilidade que se espera conseguir do clube a curto prazo.
É neste contexto que não entendo a atitude da autarquia face ao esforço que foi feito nos últimos meses no Aveiras de Cima Sport Clube. O total do investimento que ali foi feito é de cerca de 12 ou 13 mil euros, e note-se que estamos a falar de um investimento que vai ser útil nas próximas décadas. Para que esse investimento fosse feito, tanto eu como o presidente Edgar Pratas demos a cara perante as pessoas que nos ajudaram (pedreiros, canalizador, fornecedor de materiais de construção), e fizemo-lo porque tinhamos a garantia da autarquia de que até final do ano passado receberíamos uma verba correspondente aos subsídios anuais de 2011 e 2012. Essa verba continua a ser uma longínqua miragem. A Câmara limitou-se a dar um cheque de 1100 (mil e cem) euros, que se esvaiu desde logo ao liquidarmos valores em dívida herdados, a que se juntou uma verba de 5500 euros (cinco mil e quinhentos euros), que, atendendo às contas apresentadas, o leitor já concluiu que não chegou nem para metade da empreitada. O mais revoltante é que estes dois bons rapazes (eu e o Edgar Pratas) estão a dar o corpo às balas, substituindo a autarquia num pacote de trabalho e de responsabilidades que, em boa verdade, não nos competiam. Os nossos trabalho e esforço acabaram por permitir à Câmara Municipal de Azambuja salvar a face, saindo bem naquela que inicialmente era uma fotografia desfocada de um investimento público impensado e incompleto, e por essa razão inócuo. Tudo aquilo que foi feito no campo do Aveiras está à vista, é reconhecido por todos os que ali têm ido ao longo de meses e, acrescento eu, era uma obra que deveria ter sido feita pela Câmara aquando da colocação do relvado sintético, pois só assim a dita obra estaria completa e o investimento público no relvado sintético justificado e acautelado. Ao invés, a Câmara vangloria-se de ter apoiado o Aveiras neste processo de ressuscitação, mas o apoio efectivamente dado até agora não chegou nem para metade daquilo com que nos comprometemos para com as pessoas que ajudaram o Aveiras.
O que é verdadeiramente chocante, caro leitor, é que há meia dúzia de anos um anterior responsável pelo nosso clube resolveu organizar duas touradas, dizia ele, para arranjar dinheiro para o Aveiras… como resultado, está-se mesmo a ver, apurou-se um prejuízo de cerca de 50 mil euros. O dito senhor teve que adiantar o dinheiro do seu bolso aos cavaleiros e a essa gente das touradas, que não arreda pé no final da chacina sem levar o el contado para casa. Depois foi à Câmara pedir o reembolso da verba, de uma verba que o clube perdeu por sua única e inteira responsabilidade. E o doutor Joaquim Ramos, o que fez? Passou-lhe o cheque. Ou melhor, atribuiu um subsídio de igual valor (50 mil euros) ao clube, o que permitiu ao dito personagem recuperar o seu dinheiro. Ou seja: 50 mil euros para o clube gastar em duas touradas, sem que daí tivesse resultado um cêntimo de mais valia para o Aveiras de Cima Sport Clube! Nada de nada. 50 mil euros, caro leitor. E hoje, que precisamos de 5 ou 6 mil para pagar as mais valias que ali construímos e que vão ser património útil para o clube durante décadas, andamos a dar o corpo às balas. É a m… de administração pública local que temos. Disse m..? Era porcaria mesmo que queria escrever.

VIANuno Cláudio
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