
Esta semana, durante uma das arrumações periódicas que costumo fazer às gavetas e armários, dei com um texto que escrevi nos meus tempos de política partidária ativa, que se destinava a ser lido numa Assembleia Municipal de comemoração do 25 de Abril e que visava a importância da pessoa humana. Ao relê-lo, não pude deixar de reviver muitas das experiências desse período de luta política, sempre travada de modo empenhado e intenso, motivada pelas fortes convicções que me moviam e recordei as desilusões e as alegrias, as vitórias e os fracassos e as causas que me levaram a abandonar essa opção de vida.
Quem desenvolve uma luta política, a nível autárquico, como oposição a um poder instalado, luta sempre contra um adversário que está dotado de armas e condições impossíveis de igualar, o que torna o confronto completamente desigual. Os que ocupam lugares autárquicos e detêm o poder auferem uma remuneração que lhes permite dedicarem-se a tempo inteiro à luta política, fazerem disso o seu trabalho e têm ao seu dispor todos os meios que a autarquia lhes proporciona. Podem até usar a influência decisória que lhes está atribuída para influenciar a tendência de voto a seu favor e assim dispor de uma ascendência clara em relação ao seu opositor.

Não é por acaso que se diz amiúde que ninguém ganha eleições, são os outros que as perdem, o que acontece apenas quando o seu desempenho é clara e notoriamente mau e lesivo da população que servem. Mas até lá e a acontecer, são muitos os subterfúgios que podem ser utilizados por quem detém o poder e que fazem com que seja difícil combatê-lo, quando este combate é feito por outrem que precisa de ganhar a sua vida noutra atividade e faz da luta política apenas uma atividade marginal, por impossibilidade de o fazer de outro modo, e não tem ao seu dispor tantos e variados recursos que a cadeira do poder proporciona.
Para além disso, a luta política é frequentemente “minada” dentro dos próprios partidos, por parte de quem não tem interesse nas vitórias ou sucessos do seu partido, desde que não estejam ligados a eles próprios ou à sua atuação direta, pois o seu objetivo fundamental é a sua própria promoção e não a obtenção de qualquer vantagem para a população que representam ou até para o partido a que pertencem. Estas circunstâncias são altamente desmotivadoras, o que a par do descrédito em que a política e os políticos caíram e que, invariavelmente, rotula qualquer um, cria um “cocktail” de circunstâncias que afasta muitos dos que abnegadamente quisessem orientar a sua atividade apenas em prol do bem comum.
Mas voltemos ao objetivo principal destas linhas, o texto que comecei por referir e a sua orientação para a pessoa humana. Este tema pareceu-me tão marcadamente importante e atual, que resolvi voltar a debruçar-me sobre ele nestas breves linhas. É que, afinal, o papel que desempenhamos nos relacionamentos que mantemos e desenvolvemos em sociedade, sejam estes compreendidos dentro da família, do núcleo de amigos ou da comunidade em que nos integramos, tem um papel fundamental em tudo o que acontece.
O segredo para uma sociedade plural, solidária, bem sucedida, depende apenas do comportamento que cada um adota no seu relacionamento com o outro e na melhor ou pior formação ética e moral que cada um deterá e que será capaz de imprimir a esse relacionamento. Quer estejamos a falar de quem governa ou de quem é governado, de quem serve ou de quem manda, de quem estabelece regras ou de quem as cumpre. Quem é, afinal, o único autor, produtor e autor no palco da vida? É, sem dúvida, a pessoa humana. Como emissora e recetora, causa e efeito, visadora e visada, em todas as situações e em qualquer panorama ou contexto em que se relacione e atue.
Num contexto em que cada um de nós soubesse amar e respeitar o próximo, consciencializando-se de que a sua liberdade acaba onde começa a do outro, interiorizando que não deverá fazer ao seu semelhante o que não gostaria que lhe fizessem, ganhariam outra dimensão os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, que deixariam de ser meros chavões que se gritam acompanhados de punhos cerrados, para passarem a ser valores que se interiorizam, se vivem e se cumprem.
A consequência seria o respeito do outro como um exercício quotidiano, a adoção de um estilo de vida em que cada um olharia o outro não para se servir dele, mas servi-lo, e dessa forma alcançar também o seu próprio bem-estar. A fonte de todas as soluções reside no ser humano, seja qual for o cenário onde o queiramos colocar e onde ele desenvolverá a sua atividade. São seres humanos os que decidem começar guerras ou optar por outras soluções, os que decidem traçar a perna a quem têm ao lado ou dar-lhe a mão, os que optam por abrir a porta a quem precisa ou fechá-la. As decisões que tomam estarão de acordo com a formação que lhes tiver sido dada e que fez deles aquilo que são: boas ou más pessoas.
Assim, porque é no ser humano que residem todas as soluções, o desiderato fundamental de uma sociedade deveria ser a aposta séria e musculada na formação e educação das pessoas, fortemente direcionada para o ensinamento de valores éticos e morais tão subestimados e esquecidos nesta sociedade materialista e hipócrita. Pensar que este desiderato poderá ser substituído por uma sociedade fortemente balizada em leis da república destinadas a condicionar ou punir comportamentos e atos, é um erro crasso.
“Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando o não são, as leis são inúteis”. (Benjamin Disraeli) Existirá nos decisores esta consciência ou vontade e estará a educação a ser direcionada neste sentido? Sobre consciências ou vontades, não me poderei pronunciar, sobre o direcionamento da educação, acho que posso dizer que não. Falo de um mundo perfeito que nunca existirá? Provavelmente. Mas também acredito que se deixarmos de o tentar alcançar, defendendo que se trata apenas de uma utopia, cada vez mais ele se tornará apenas nisso e não será qualquer lei, venha ela de quem vier, que o tornará melhor.
Portanto, hoje como ontem, estou convicta de que é importante e cada vez mais urgente apostar nas pessoas e na sua formação, não apenas académica, mas sobretudo ética e moral. É esta a revolução que se impõe. O que acontece no mundo é desencadeado pelo ser humano e aquele será tanto melhor ou pior, consoante o forem as pessoas e não as leis que apenas as obrigam, mas que não as formam. É que as boas pessoas não se fazem por decreto!