
O regime democrático teve origem na Grécia antiga e a palavra democracia, formada pela conjunção de duas palavras gregas (Demos+Kratos) significa “dar poder ao povo”. A forma de exercer a democracia evoluiu ao longo dos tempos, podendo também revestir-se de várias formas, não interessando ao desiderato presente desenvolver essas questões, bastando identificar que é forma de democracia indireta, a que se pratica na quase generalidade dos países considerados democráticos.
Neste regime político, o poder do povo traduz-se no voto que utiliza para eleger aquele(s) que pretende que seja(m) os seus representantes, pondo na(s) sua(s) mão(s) a responsabilidade de tomarem as decisões e posições necessárias e conducentes à satisfação dos desejos e necessidades dos cidadãos que neles votaram. Estes propósitos são vertidos nos programas eleitorais dos partidos que os diversos candidatos representam e são, supostamente, baseados nos princípios doutrinais que os regem, devendo estes programas constituir “a bíblia” que suportará a escolha dos cidadãos.

Exceção ao referido constituirá a eleição do Presidente da República, uma vez que se trata de uma eleição uninominal. Determinam também os princípios democráticos que o poder seja entregue a quem obtenha a maioria dos votos expressos no sufrágio. Deste modo, o conceito, de per si, reveste-se de toda a lógica, uma vez que nunca será possível satisfazer a vontade do todo. No entanto, por esta mesma razão não é perfeito, mesmo no caso em que a democracia seja exercida na sua forma mais pura. Como já dizia Winston Churchill na sua célebre frase, “a democracia é o pior dos regimes, se excluirmos todos os outros”.
O simples reconhecer que apesar das suas imperfeições, todas as outras alternativas são piores, deveria ser motivo para que cada um assumisse o seu papel na sociedade, com o cuidado de respeitar a democracia como se de uma peça de cristal se tratasse. Responsabilidade esta, como é óbvio, de dimensão muito superior, acometida aos representantes escolhidos num sufrágio, por meio dos votos dos eleitores. Eles, e a forma como exercem o poder que lhes foi dado, são a face visível do resultado do sistema.
É o eterno problema que acontece na política, nas religiões, em qualquer comunidade. As ideias podem ser ótimas, as teorias livres de falhas, mas depois quando entra o fator humano na sua concretização, quando as coisas têm de passar do papel à prática, a coisa complica-se e é aqui que se atinge o busílis da questão.
A democracia tem sido subvertida ao longo dos anos e encontra-se neste momento ameaçada. Falando de Portugal, sinal notório disso é a crescente evolução da abstenção que se tem verificado desde as primeiras eleições legislativas livres, em 1976, em que aquela se situou nos 8,5%, e a que foi verificada nas últimas eleições de 2022, em que se situou nos 48,6% (dados da PORDATA). Aliás, este é um tema trazido recorrentemente, ano após ano, às discussões públicas, sem que daí algo tenha surgido, de molde a modificar este estado de coisas. Antes pelo contrário, na minha opinião. Porque se abstêm de exercer o seu direito de voto quase metade dos portugueses? Em rigor, e esmiuçando a questão, decerto descortinaríamos razões diversas.
No entanto, penso que concordarão comigo se afirmar que esta abstenção tem, maioritariamente, o seu fundamento na desilusão que esta grande massa de cidadãos experimenta num regime que, sucessivamente, tem vindo a provar ser um “flop” na satisfação dos seus anseios e necessidades. E porque se sentem eles desiludidos ao ponto de desacreditarem e menosprezarem o único meio que têm à disposição para poder fazer ouvir a sua opinião? Aquele meio que, vivendo num regime democrático, (por oposição a um autocrático) lhes deveria garantir que a sua voz seria ouvida através da eleição do(s) seu(s) representante(s)? É, caros amigos, na formulação da resposta a estas perguntas que chegamos ao importante.
Durante o período inicial da nossa história democrática, período este não isento de falhas e convulsões, mas próprias da revolução e das mudanças que se pretendiam introduzir após uma ditadura de 41 anos, Portugal contou com figuras de elite, estadistas que assumiram as suas responsabilidades à frente do país, geriram as suas divergências políticas e programáticas, “degladiando-se” nos locais próprios, mas sem nunca perder o foco fundamental: o facto de não passarem de mandatários de quem os elegera e a sua missão era apenas e só servirem o povo e o país.
Paulatinamente, homens deste calibre foram desaparecendo e ao mesmo tempo surgindo a geração dos “jotas”, criados e formatados desde cedo no seio dos partidos, com o objetivo de, dessa forma, alcançarem lugares, prestígio e cargos mais bem pagos do que o que conseguiriam pelos seus próprios meios. Salvo algumas honrosas exceções, porque as haverá em todo o lado, a grande maioria deles mal preparados e de mente distorcida em relação ao seu verdadeiro papel.
O “jotinha” serve o partido (que perdeu já toda a noção do que deve representar) espera que o partido o recompense, e o superior interesse que deveria prevalecer quando finalmente chegam ao cargo que o partido lhes entregou, já há muito ficou pelo caminho, a ter alguma vez existido. O “jotinha” normalmente estuda bem a retórica que deve prevalecer no seu discurso (e que por norma “é engolido” com facilidade por quem o ouve) tendo absoluta consciência de que aquilo que sai da sua boca é apenas e só discurso e é absolutamente desprovido de substância. Sucedem-se os casos de favorecimentos, corrupção, nepotismo, etc., etc., porque o foco principal se perdeu.
E se, eventualmente, acontece algum deles ter um rasgo de consciência superior e pretende, na realidade, fazer algo mais, a sua impreparação é tão gritante que o resultado é nulo. Aqui chegados, quem é que ainda se sente motivado para votar, acreditando que o seu voto valerá alguma coisa? Os partidos políticos, que deveriam ser a base de sustentação da democracia, tornaram-se em agências de empregos, centros de controlo e desenvolvimento da comunicação e compra de votos, transformando-se nos seus algozes.
A dinâmica de crescimento da abstenção é tão perversa, ao ponto de cada vez mais facilitar este estado de coisas e a vida dos “jotinhas”. Quantos menos votarem, mais possibilidades existem no controlo daqueles que votam. Com efeito, o número de portugueses que atualmente dependem do estado e facilmente podem ser manipulados, é assustador e vem em crescendo. Lembremo-nos do último mandato de Sócrates que, temendo perder o poder, aumentou os funcionários públicos em 2,9% numa altura em que as finanças do país já se encontravam depauperadas, tendo sido anunciada insolvência pouco tempo depois. Ou da forma como este governo distribui “bodo aos pobres” em subsídios vários, gabando-se de o ter feito a mais de um milhão de famílias carenciadas.
Ainda há tempos assisti num dos canais de TV que não posso precisar, alguém agradecendo encarecidamente a António Costa o subsídio de 125 euros recebido “que Deus o conserve lá muito tempo”, dizia a pobre senhora. De repente, vislumbrei os senhores feudais, ou antigos monarcas, que nas suas caçadas, montados nos seus potentes cavalos, ricamente ataviados, homem e montada, atiravam moedas aos pobres esfarrapados que se lhes atravessavam no caminho, esperando que lhes coubesse alguma migalha e lhes agradeciam efusivamente.
Excelente método para garantir votos e subverter a democracia: manter o país na pobreza! Mas não ficamos por aqui, representando este último exemplo, na minha opinião, a forma mais descarada, clara e desrespeitosa de subversão da democracia. Há um determinado político que ganha as eleições, mas não obtém a maioria absoluta para constituir uma base parlamentar que lhe garanta sustentação no seu governo.
Então, vai daí, desdobra-se em conversações, joguinhos de bastidores, promessas de compensações e outros subterfúgios (matérias em que se doutorou na escola partidária) com partidos cuja representação é ínfima na totalidade dos votos, e obrigam-se a coligações forçadas, quando, se respeitassem a vontade do povo, bastava que os dois partidos que obtiveram a maioria dos votos juntos, se entendessem. Mas não, os senhores dão-se mal, têm divergências insanáveis frequentemente relacionadas com os respetivos umbigos e a coisa não se dá.
Quão longe terá ficado já a noção de que não passam de meros representantes de quem neles votou e é o voto da maioria que devem respeitar? O povo espanhol votou maioritariamente no PSOE e no PP. Estes dois partidos juntos constituem a larga maioria dos votos expressos e é essa a vontade do povo que deve ser respeitada pelos seus representantes. Tudo o que for decidido para além disto, é subverter a democracia. Pedro Sanchez do PSOE, só porque não se entende com o líder do PP, desdobra-se em negociações de acordos com um partido independentista, que antes foi condenado por violação à constituição espanhola, e cujo líder tem um mandato de captura e teve de sair de Espanha.
Triste figura, numa completa subversão do papel que deveria assumir como mandatário do povo que o elegeu! Em conclusão, poderemos nós afirmar que ainda vivemos em democracia, ou apenas nos mantemos na ilusão de que tal acontece? Não será que vivemos todos numa espécie de Matrix em que apenas pensamos poder escolher quem nos governa? Valia a pena que nos debruçássemos seriamente sobre este assunto e sobre o que cada um de nós pode fazer, assumindo uma postura séria de cidadania ativa, porque quando nos abstemos de a exercer, também somos cúmplices no processo de subversão e deterioração da democracia.
Voltando a parafrasear Winston Churchill, “a democracia é o pior dos regimes, excluindo todos os outros” e não nos esqueçamos que tratá-la mal é deixar espaço a que outros cresçam e ganhem voz e não é à toa que os movimentos de extrema direita estão a crescer na Europa. Que nenhum de nós se alheie desta realidade!