O Cavador (Opinião de Conceição Maurício)

Opinião de Conceição Maurício (Julho de 2021)

“Corpo vergado, rosto cansado, De manhã cedo Eles vão chegando, vão perfilando Olhar de medo…” Começa assim a letra do poema que um grande amigo escreveu e que conta de forma primorosa o que foi a vida de muita gente ligada à lida do campo, principalmente dos homens cujo trabalho era cavar a terra.

A penosidade que tal trabalho exigia numa labuta de sol a sol, sujeita ao que a intempérie ditasse no momento e a angústia de saber que o pão de cada dia estava pendente do facto de poderem ou não arranjar quem os contratasse, mesmo que o pão que ganhavam fosse do tipo daquele que o diabo amassou, é uma realidade muito difícil de entender para quem não vivenciou esse tempo e para quem as dificuldades dos dias de hoje, por muitas que sejam, não vislumbram -felizmente- as de outrora.

O Grupo de Teatro da Casa do Povo de Aveiras de Cima, ao qual tive a honra e prazer de pertencer, numa das várias “revistas” que encenou, quis homenagear os verdadeiros heróis daquele tempo, recriando em palco o largo onde eram feitas, pelos proprietários, dia a dia, as contratações dos homens de que necessitavam para cavar a vinha (os cavadores). Sendo Aveiras de Cima, por tradição, uma terra de cultivo do vinho, era do amanho da vinha que dependia o principal sustento dos seus habitantes.

Aquele momento convertia-se, assim, na hora fulcral e temida, em que cada um que perfilava no largo ficava a saber se nesse dia haveria pão ou passaria fome. Ele e a sua família. Dependendo tal de ter sido ou não contratado para a jorna. O largo recriado no palco foi o atual Largo da República em Aveiras de Cima, antigamente denominado de Largo da Praça, local onde tudo acontecia nesta localidade e o poema que mencionei, musicado com a melodia de um fado conhecido e brilhantemente interpretado pela nossa companheira e amiga Teresa Frazão, intitulava-se “O Cavador”, título que escolhi dar também a estas linhas.

O que referi pretende ser a introdução do que mais vos quero transmitir, mas serve também para explicar porque o significado da imagem “O Cavador” tem para as pessoas de Aveiras de Cima e porque faria sentido que a sua imagem fosse eternizada naquele largo. O nosso concelho é um território demasiado marcado por vidas difíceis, em que cada tostão era arrancado à força de suor e lágrimas, em que a vida sulcava o rosto dos homens e das mulheres com vincos de sofrimento.

Vidas que contrastavam com aquelas de quem dependiam e que por vezes o faziam sentir de forma cruel e indesculpável, já que nenhum ser humano poderá alguma vez ser tratado de forma indigna apenas e só pelo facto de ter nascido pobre. Na altura, o regime ditatorial em que o país vivia, permitia este tipo de discriminação e fechava os olhos, se não até mesmo beneficiava “os senhores”, com privilégios que aos outros negava. O título, ou a quantidade de zeros à direita que a carteira acumulasse, seriam garantia suficiente de beneplácito para aqueles desprovidos de moral ou princípios, a quem a consciência não pesasse.

O 25 de Abril trouxe a estas gentes tão marcadas um mundo completamente novo e ainda bem que tal aconteceu, pena somente que não tivesse acontecido antes. Para isso muito contribuíram todos os que, na clandestinidade, lutaram contra o estado novo e foram presos, torturados, alguns ficando mesmo pelo caminho. Nesta senda não poderemos nunca deixar de lembrar e reconhecer o grande trabalho e contributo dos militantes do Partido Comunista que, nesses tempos difíceis, levados por um ideal, deram o corpo às balas.

Num concelho como o nosso e em muitos com vivências tão marcantes é perfeitamente compreensível que a libertação e o mundo novo que alguns nunca teriam julgado ser possível, ficasse irremediavelmente associada à ideia política de “esquerda”, em contraposição com a ditadura de direita que tanto os marcara. Nada mais errático. Ditaduras existem à esquerda e à direita.

Ambas se comportam da mesma maneira. Restringem as liberdades, beneficiam apenas os que têm poder e os que circulam à sua volta. Prova provada foi o que a queda do muro de Berlim nos mostrou acerca de um mundo que a esquerda do PCP anunciava. Um mundo de partido único, restrições, pobreza, miséria, prisões, assassinatos, no qual apenas a “nomenclatura” se safava e do qual, felizmente, nos livrámos com o 25 de Novembro de 1975. A propósito, e para quem não saiba, sugiro que se informe acerca do que foi o HOLODOMOR.

Em conclusão, esta ideia que tanto se enraizou de que a esquerda é que é a libertadora e a defensora da classe operária e dos mais desfavorecidos, não tem qualquer fundamento. Mais, no momento a que chegámos, com os exemplos que nos chegam não só de Portugal, mas dos quatro cantos do mundo, os tradicionais conceitos direita/esquerda, a terem sido válidos, não têm agora qualquer significado, já que depois da eleição, os que lá chegam, frequentemente se esquecem dos princípios que os nortearam ou, mais explicitamente, do programa que apresentaram.

Qualquer político bem preparado para a função que se propõe assumir, bem formado e honesto (daqueles estadistas que rareiam cada vez mais….) intitule-se ele ser de direita ou esquerda, saberá que as medidas certas a tomar não variam significativamente. Incompetentes, trafulhas, desonestos e oportunistas, existem em todos os quadrantes políticos, como o contrário também acontece e na hora de votar, mais do que olhar para o símbolo ou para a cor com que cada um se apresenta, importará saber QUEM é que estamos a eleger.


Pedro Folgado: “Gostaria de ter a confiança dos alenquerenses para fechar ciclo de 12 anos”

Esta é a entrevista que fecha para já o ciclo de conversas com os candidatos à presidência da autarquia de Alenquer em 2021. Pedro Folgado é recandidato pelo PS e pede aos alenquerenses oportunidade para encerrar um ciclo de 12 anos à frente da autarquia. Veja a entrevista já de seguida.

VIASão Maurício
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