Nos tempos da outra senhora, quando a fome grassava em Portugal, os jovens maiores de idade ingressavam na tropa para cumprir o serviço militar obrigatório e, após uns meses de recruta, eram enviados para as colónias, vulgo províncias ultramarinas, para defender a pátria de alguns com o sacrifício de todos. Digo sacrifício de todos porque a população adulta que trabalhava sobrevivia com um salário irrisório, sem assistência social, sem médico e sem medicamentos para quando havia doenças em casa. Na década de sessenta do século passado, quem transitava nas ruas de Lisboa, era frequente na época dos santos populares encontrar crianças a pedir um tostãozinho para o Santo António (uma indireta para o António da calçada) para obterem umas moedas para comprar um pão ou alguma guloseima; fora daquela quadra diziam que as moedinhas angariadas serviriam para ir para a terra dos maricanos.
Com a alvorada do 25 de Abril de 1974, nasceu uma onda de esperança que convenceu a maioria dos portugueses de que finalmente iria haver liberdade, iria terminar a guerra colonial, e melhoria salarial para quem trabalhava por conta de outrem; deixaria de haver peditórios nas ruas e a generalidade da população iria ter trabalho, habitação, saúde, escolas e, assim, uma vida mais digna.
E na verdade umas consideráveis melhorias no bem-estar das famílias, passando então a haver uma razoável percentagem de portugueses que ascenderam à classe média. Mas infelizmente nos últimos anos tudo se foi revertendo no nosso país: a corrupção atingiu níveis vergonhosos praticada por uma coligação entre ministros, deputados da esfera do poder, autarcas, banqueiros etc. Por outro lado, o compadrio voltou e o trabalho melhor remunerado passou a ser apenas para quem veste a camisola dos partidos do arco do poder que passaram a ser agências de emprego para as juventudes partidárias, como bem assinalou a nossa amiga São Maurício num artigo de opinião anteriormente publicado no FUNDAMENTAL.
Todo o mundo critica este estado de coisas, mas na hora das eleições, costuma dar uma amnésia total aos portugueses que votam (cerca de 50% abstiveram-se nas últimas eleições) que escolhem sempre aqueles que mais os têm defraudado, esquecendo promessas e voltando sempre às mesmas habilidades fraudulentas. As oposições, na sua maioria desonestas, voltam às mesmas promessas de sempre: educação, pão, habitação, saúde (como na cantiga do poeta), mas o resultado está à vista. Atualmente o nosso primeiro-ministro, sem saber como criar habitação para os portuguese, está a tentar passar a bola para a União Europeia.
Não conseguimos perceber como tem sido possível governar este país atentas as práticas prosseguidas pelos governantes das últimas quatro décadas. Permite-se que as negociações coletivas entre trabalhadores e empregadores (patrões) não acompanhem a inflação sempre em crescendo, logo não sendo possível repor o poder de compra de quem só tem a sua força de trabalho para vender. Daí termos assistido à degradação do salário, designadamente da classe média, o que tem vindo a contribuir para a reposição de duas ordens de trabalhadores: os patrões e os seus serventuários que contribuem para engrandecer os crescentes lucros dos empregadores; bem como a enorme maioria da classe baixa que cada menos ganha para comer ao ponto de deixar de pagar os empréstimos com que compraram a habitação. É crescente também o número de jovens licenciados que, não podendo comprar a sua habitação, continuam a viver em casa dos pais até aos cinquenta anos de idade.
Por outro lado, embora o Estado português cobre os impostos mais altos da União Europeia, as receitas continuam a ser escassas porque os impostos mesmo em percentagens elevadas assentam em salários irrisórios. Logo, havendo impostos máximos assentes em salários quase mínimos, os trabalhadores jamaias permitirão uma vida condigna e o Estado continua a ser carregado com pedidos de subsídio para tudo. Os governantes por vezes vêm dizer que os trabalhadores que têm apenas o SMN (salário mínimo nacional) estão isentos de pagar o IRS, o que nem sempre é verdade, embora paguem menos; mas quem ganha apenas o SMN paga as taxas de IVA iguais a quem tem melhores salários e mesmo aos milionários que têm grandes rendimentos. Assim, o Estado (liderado pelo atual António) continua a ser o paizinho e os governantes continuam a ser o padrinho dos “jotinhas”, que um dia lhes herdarão o lugar, bem como bem como dos portugueses mais pobres. É com estas práticas governativas que os portugueses das classes baixas aumentam de ano para ano, enquanto a classe média vai sendo reduzida e as grandes fortunas continuam a crescer. Este é o Estado que permite aos bancos cobrarem juros brutais e taxas para tudo, ao ponto de obterem lucros escandalosos. O mesmo Estado que permite aos seus donos levar o dinheiro dos depositantes para paraísos fiscais e gerarem falências, sabendo que ninguém os obriga a devolver o dinheiro com que se abotoaram e que, em última instância, todos nós repomos o capital dos Bancos que faliram.
Se esta prática continuar assim, as classes médias deixam de ter dinheiro para pagar seguros de saúde e irão também engrossar as fileiras dos pobres coitados que quando precisam de médico do SNS (Serviço Nacional de Saúde) mesmo esperando toda a noite às potas dos Centros de Saúde não conseguem obter uma consulta médica.
Para acabar com a classe media os governos têm facilitado a imposição de salários e pensões abaixo da inflação, o que equivale a nivelar por baixo, salários entre os 700 e 1000 euros e pensões entre os 300 e os 500 euros. Toda a gente sabe que até os profissionais de saúde, funcionários públicos e outras profissões outrora melhor remuneradas estão a ser empurrados para fora da classe média.
Passamos às oposições nas autarquias, onde também se assiste a propostas folclóricas. Recordo um caso no município de Azambuja, quando exerci um cargo autárquico de grande responsabilidade, no terceiro mandato autárquico a seguir ao 25 de Abril (1983/85).
No primeiro mandato autárquico, de maioria PS, começaram os estudos e projetos para levar a água canalizada a todas as freguesias do concelho, pois até então apenas as freguesias de Azambuja e de Vila Nova da Rainha tinham água canalizada. No segundo e terceiro mandato, de maioria APU, foram lançadas as primeiras empreitadas para abastecimento de água. Estes avanços eram do agrado da população que influenciou os partidos com representação na Câmara e Assembleia Municipal a inserir nos seus programas as mesmas prioridades. Contudo, apesar do acordo na execução das prioridades, de abastecimento de água, algumas oposições na Assembleia Municipal, para se exibirem e fazerem ouvir-se, começaram a reclamar que a maioria do executivo camarário estava a negligenciar a construção de zonas verdes nos espaços urbanos da área do município. Claro que esta vertente dos espaços verdes também era importante, mas se o orçamento não esticava, a prioridade das prioridades era o abastecimento de água e, numa segunda fase, a rede de saneamento básico. A seguir seria então a vez dos espaços verdes e embelezamento urbano
A presente crónica destina-se a comemorar o 30º aniversário do FUNDAMENTAL que desde a sua fundação sempre atento às boas e más notícias, nomeadamente a nível local. Bem hajas Nuno Cláudio por mais um aniversário do teu jornal que criaste e tens mantido, contra ventos a marés.