COVID-19: o que precisa de saber sobre o estado de emergência (Parte II)

Opinião de Gonçalo Ferreira

No seguimento da já anunciada reunião do Conselho de Estado marcada pelo Presidente da República para o dia 18-03-2020, confirmou-se a decretação do estado de emergência vigente desde as zero horas do dia 19-03-2020.

Do documento elaborado pelo Sr. Presidente da República que foi posteriormente aprovado em plenário da Assembleia da República, pode-se ler que “É declarado o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, tendo, nos termos constitucional e legalmente previstos, a duração de 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações.

Contudo, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou ainda 5 outros motivos para justificar tal opção:
– Primeiro: A antecipação e o reforço da solidariedade entre poderes públicos e deles com o Povo;
– Segunda: A Prevenção, já que desta forma permite-se que possam ser tomadas, pelo Governo, com rapidez e em patamares ajustados, medidas que venham a ser necessárias no futuro.
– Terceira: A certeza e segurança jurídica. Esta “permissão” de atuação dada pelo Presidente da República ao Governo, visa dar legitimidade legal/constitucional ao quadro geral da sua intervenção e garante que, mais tarde, finda a pandemia, não venha a ser questionado o fundamento jurídico das medidas já tomadas e a tomar.
– Quarta: A contenção da pandemia através da diminuição do contacto social. Estamos perante um estado excepcional mas que não atinge o essencial dos direitos fundamentais, uma vez que tem como finalidade o combate a um risco para a saúde pública e a criação de condições de normalidade na produção e distribuição de bens essenciais a esse mesmo combate.
– Quinta: A flexibilidade. Tal como supra referido, este estado de emergência dura 15 dias, findo os quais pode ser renovado, mediante avaliação, no fim desses mesmo período, do estado da pandemia e sua previsível evolução.

Desse mesmo decreto, de substancial, salienta-se que existe a permissão para que sejam tomadas medidas restritivas dos seguintes direitos, liberdade e garantias:

– Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional; Propriedade e iniciativa económica privada, podendo ser requisitadas pelas autoridades públicas competentes a prestação de quaisquer serviços e a utilização de bens móveis ou imóveis;  Direitos dos Trabalhadores, nomeadamente com suspensão do direito à greve; Circulação internacional, com a imposição de limitações e controlos fronteiriços; Direito de reunião e de manifestação; Liberdade de culto na sua dimensão colectiva; Direito de Resistência;

Foi com este mote e balizado por este decreto presidencial (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março) que o Governo, depois de reunido em Conselho de Ministros (e através de resolução desse mesmo órgão – Decreto n.º 2-A/2020 de 20 de março) decretou algumas medidas restritivas aos directos, liberdades e garantias já referidos, com especial foco no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas.

Pode ler-se nessa resolução que é imposto o isolamento obrigatório, ainda que no domicílio, de todos os cidadãos contaminados com o novo Coronavírus e os que se encontram em vigilância activa pelas autoridades de saúde, sob pena de crime de desobediência.

Já quanto a pessoas que sejam identificadas como pertencentes a grupos de risco, e sobretudo as pessoas com mais de 70 anos de idade, encontram-se sujeitas a um dever especial de protecção, podendo apenas ausentar-se do seu domicílio em situações muito excepcionais e estritamente necessárias, como por exemplo para comprar comida, ir à farmácia, aos CTT ou os bancos.

Fora estes casos, impende sobre a forma de dever geral à restante população, que se abstenha de sair dos seus domicílios (dever geral de recolhimento) a não ser para, entre outros, algum dos seguintes propósitos:

– Aquisição de bens e serviços; Desempenho de actividades profissionais que não possam ser realizadas a partir do domicílio pessoal em regime de teletrabalho; Aquisição de suprimentos necessários e essenciais ao exercício da actividade profissional, quando esta esteja a ser exercida em regime de teletrabalho; Deslocações por motivos de saúde, designadamente para efeitos de obtenção de cuidados de saúde e transporte de pessoas a quem devam ser administrados tais cuidados; Deslocações de curta duração para efeitos de actividade física, sendo proibido o exercício de actividade física colectiva, considerando-se, para este efeito, mais de duas pessoas; Deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia;

Em relação às actividades económicas que podem continuar a laborar, consta da mesma resolução, segundo o que é já conhecido, que podem continuar a laborar os seguintes estabelecimentos e serviços, mesmo quando instalados em centros comerciais:

– Minimercados, supermercados, hipermercados, frutarias, talhos, peixarias, padarias e as bancas alimentares de mercados; Produção e distribuição agro-alimentar e lotas; Restauração e bebidas, para confecção de refeições prontas a levar para casa, nos termos acima referidos; Serviços de entrega ao domicílio; Serviços médicos, de saúde, de apoio social, farmácias, locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita, oculistas, lojas de produtos médicos, ortopédicos, cosmética, higiene, naturais e dietéticos; Papelarias e tabacarias (jornais, tabaco) e jogos sociais;

Serviços públicos essenciais e respectiva reparação e manutenção: água, energia eléctrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações electrónicas, correios, recolha e tratamento de águas residuais e de efluentes, de gestão de resíduos sólidos urbanos e de higiene urbana e de transporte de passageiros; Clínicas veterinárias e lojas de venda de animais de companhia e respectivos alimentos; Venda de flores, plantas, sementes e fertilizantes; Lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles, drogarias, lojas de ferragens e de material de bricolage; Postos de abastecimento de combustível e lojas de venda de combustíveis para uso doméstico;

Manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos, tractores, máquinas agrícolas, venda de peças e acessórios e reboque; Venda e reparação de electrodomésticos, equipamento informático e de comunicações; Serviços bancários, financeiros e seguros; Actividades funerárias; Serviços de segurança ou de vigilância ao domicílio, bem como de manutenção e reparações ao domicílio, actividades de limpeza, desinfecção, desratização e similares; Estabelecimentos turísticos, que podem servir restauração e bebidas apenas aos hóspedes, excepto parques de campismo; Alojamento estudantil.

Em contrapartida, devem suspender a sua actividade os seguintes estabelecimentos e serviços:

-Actividades recreativas, de lazer e diversão: discotecas, bares, salões de dança ou de festa, circos, parques de diversões, recreativos para crianças, aquáticos, jardins zoológicos (é permitido o acesso aos trabalhadores para cuidar dos animais); Locais destinados a práticas desportivas de lazer e a actividades culturais e artísticas; Pavilhões de congressos, salas polivalentes, salas de conferências e pavilhões multiusos; Actividades desportivas, salvo as destinadas à actividade dos atletas de alto rendimento; Actividades em espaços abertos, espaços e vias públicas privadas equiparadas a públicas.

Este é o quadro geral daquilo que muda no nosso quotidiano com as medidas recentemente decretadas no seguimento da situação de estado de emergência.

Contudo, nunca é demais relembrar que por muitas medidas que se tomem e por “muitos estados de emergência que se decretem”, é imperativo que tenhamos consciência que enquanto cidadãos de plenos direitos e deveres cabe-nos agir em consciência, com a plena noção de que somos os primeiros agentes de protecção civil e de saúde pública, cabendo às autoridades e instituições do Estado agir em nome da protecção e do superior interesse da nossa comunidade dentro dos limites legais e constituições próprios de um Estado de Direito como o nosso. Pela Saúde de todos nós!


VIAGonçalo Ferreira
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