O Ribatejo nos caminhos da Liberdade (Crónica de António José Rodrigues)

Crónica Maldita (António José Rodrigues)

A maioria dos portugueses recorda-se que os acontecimentos do 25 de Abril de 1974 se iniciaram em Santarém, com a saída dos soldados e das viaturas militares sob o comando do saudoso Capitão Salgueiro Maia, rumo a Lisboa, onde Otelo dirigia as operações no Quartel da Pontinha, tendo em vista derrubar o regime fascista iniciado por Salazar e continuado por Marcelo Caetano.

Com o sucesso das operações militares, e em consequência das movimentações populares de muitos milhares de cidadãos portugueses, aquilo que inicialmente se destinava a ser um golpe de Estado para depor o regime deu origem a um processo revolucionário que cada vez arregimentava mais pessoas para a defesa das liberdades, das condições sociais e de trabalho, da semana de 5 dias, do direito de férias e de habitação, etc.

Com o decorrer dos meses, avançou-se com descolonização, com a mudança dos órgãos autárquicos da confiança do anterior regime, até ocorrer a tentativa de inverter os avanços populares, através da tentativa do golpe militar de 11 de Março de 1975, que felizmente foi abortado pelas forças progressistas, militares e civis.

A partir de então, foram nacionalizados os bancos, os seguros e os grandes grupos económicos e, finalmente, foi iniciada a reforma agrária, com ocupações de herdades no Alentejo e, de seguida, no Ribatejo. Admite-se que, durante este processo, houve exageros e erros motivados por táticas políticas vanguardistas, algumas apenas de fachada.

Azambuja esteve no percurso dos militares revoltosos a caminho de Lisboa. Pelas freguesias abaixo indicadas, concelho de Azambuja, passaram também ocupações de latifúndios, sendo o caso mais conhecido da Quinta da Torre Bela, em Manique do Intendente, onde os antigos donos não deixavam as pobres camponesas apanhar a azeitona caída no chão, preferindo enterrá-la. Célebre também foi a ocupação da Quinta do Mor, em Aveiras de Cima; ainda nesta freguesia as Quintas de Vale Mouro e Pombal, as Quintas da Marquesa, em Azambuja, bem como Ameixoeira, Ferraria e Quebradas, em Alcoentre.

Das ocupações resultaram a constituição de cooperativas, onde os rurais começaram a trabalhar planificadamente e a conviver em sociedade, a desfrutar das liberdades e das decisões democráticas tomadas em assembleias gerais devidamente organizadas. Devido a existirem cerca de 60% (?) de analfabetos, houve alfabetização de adultos para ambos os sexos, em que alguns aprenderam a ler e escrever, através do método de Paulo Freire; houve assistência médica gratuita prestada por enfermeiros e médicos voluntários; houve sessões de planeamento familiar destinadas às mulheres; houve sessões de animação cultural proporcionadas por artistas diversos, amadores e profissionais; houve muito trabalho voluntário prestado por revolucionários estrangeiros inspirados nos movimentos estudantis de Maio 68, em França.

Parte destas actividades e vivências, em especial na Torre Bela, foram documentadas em filme pelo realizador alemão Thomas Harlan, mas existe pouca informação sobre o processo de alfabetização, planeamento familiar, actividades culturais. O documentário/filme de Harlan não trata os antecedentes/causas da adesão popular à revolução dos Cravos. Daí que o cineasta José Filipe Costa começou a preparar um novo documentário (não planfetário) a incidir sobre a vivência dos pequenos agricultores e dos trabalhadores rurais (homens e mulheres), designadamente das freguesias onde ocorreram ocupações, trabalhos em que tenho participado, dentro das minhas modestas capacidades, juntamente com um grupo de pessoas das ditas freguesias e do Cartaxo.

A razão de ser desta crónica deve-se à curiosidade manifestada por alguns amigos da minha página do Facebook, onde postei um pequeno vídeo relacionado com o tema serões culturais na Cooperativa da Torre Bela.

 

 

VIAAntónio José Rodrigues
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