F: Qual é a importância deste certame na divulgação da enguia enquanto iguaria base para a confecção de um conjunto de pratos típicos da região?
C.L.M.: A enguia é um produto do nosso Rio e como tal este evento é muito importante na medida em que permite a divulgação de muitos pratos confeccionados a partir da enguia, sejam eles confeccionados de forma tradicional, como as pessoas antes estavam habituadas a fazer, ou então de um modo mais inovador. Serve ao mesmo tempo como base para divulgar outros produtos da região e especificamente do nosso concelho, como o artesanato.
F: Esta iniciativa já vai na vigésima edição. Tem a convicção de que o Mês da Enguia ajuda a promover a gastronomia confeccionada à base deste produto do Tejo? Tal é notório, por exemplo, nos restantes meses do ano?
C.L.M.: Sim, perfeitamente notório. Há restaurantes que já têm enguia praticamente todo o ano no seu cardápio. Este certame ajuda a descobrir novos pratos, e tenho constatado que todos os anos há sempre inovações nesse sentido. Algumas têm resultado mesmo muito bem, e há pessoas que sei que cá vêm sobretudo para conhecer os novos pratos de enguia.
F: Os novos chef’s de cozinha estão a adoptar a enguia como iguaria para as suas confecções?
C.L.M.: Os chef’s estão sobretudo a redescobrir a cozinha tradicional portuguesa. Vão buscar os produtos tradicionais, readaptam-os e confeccionam-os de maneira diferente, com fórmulas mais saudáveis, e a enguia faz parte desses produtos de eleição.
F: O mês de Março continua, na sua perspectiva, a ser o mês indicado para promover a enguia? É que há quem defenda que em Março não há enguia no Tejo em quantidade suficiente.
C.L.M.: O Mundo tem estado a sofrer mudanças ambientais que são sentidas por todos nós, e nesse contexto talvez faça sentido num futuro próximo esticar a inicativa, balizando-a entre Março e a primeira quinzena de Abril. Este ano essa alteração já foi contemplada, e o Mês da Enguia já vai terminar a 3 de Abril.
F: Programas como o Master Chef ajudam a que novas pessoas se interessem por esta arte, a da culinária?
C.L.M.: O curso já de si é um curso de excelência, sempre com muita aceitação e com as vagas totalmente preenchidas. Com esses novos programas de televisão que estão na moda tem havido ainda mais pessoas a concorrerem às escolas e posso dizer que a taxa de empregabilidade é bastante grande.
F: Já é presidente do júri do Mês da Enguia desde há alguns anos. Essa posição tornou Luís Machado numa espécie de embaixador da enguia de Salvaterra, sobretudo quando está fora do concelho?
C.L.M.: Sem dúvida, até porque faço bastante publicidade ao evento na minha página no Facebook, divulgando sempre os restaurantes onde vamos, e há sempre muitas reacções de pessoas que garantem ter vindo a Salvaterra para provar a enguia. Como sabe, a enguia existe aqui em Salvaterra e em Aveiro, embora em Aveiro seja totalmente diferente porquanto a enguia de Aveiro apanha rio mas também mar – portanto, água salgada. A nossa enguia é de rio e tem um sabor completamente diferente, para melhor.
F: Qual é o seu prato preferido de enguia?
C.L.M.: Eu gosto de todos os pratos. Gosto muito do ensopado de enguias, que tem uma história associada muito interessante. As pessoas vinham do Alentejo trabalhar para o Ribatejo, e guardavam pão duro, de muitos dias. Tinham à mão tomate e pimento, produtos muito comuns na lezíria do Tejo. E tinham a enguia, claro. Foi a junção desses produtos que deu origem ao ensopado de enguia. Era um prato pobre, sobretudo destinado a aproveitar o pão de alguns dias e os legumes que haviam à mão.
F: Não deixa de ser irónico que aquele que outrora era um prato pobre hoje seja um prato considerado de uma gama média alta, se é que o posso chamar desta forma.
C.L.M.: Sem dúvida. É um prato mais caro, pois a enguia encareceu, tal como sucedeu com o bacalhau, que outrora era um prato pobre e hoje também conheceu essa inversão.
F: Quantos pratos de enguia podem ser confeccionados? E quantos estão registados?
C.L.M.: Não existem pratos de enguia registados. A Câmara poderá, nesse contexto, efectuar um trabalho de investigação e registar mesmo esses pratos como produtos de Salvaterra. Nesse caso seria considerado um prato típico e teria de ser confeccionado em determinados moldes pré-definidos. Já acompanhei alguns processos nesse âmbito, o último dos quais o pastel de feijão, que para que possa ser chamado como tal terá que cumprir certas e determinadas regras quanto à sua confecção.
F: É possivel fazer o mesmo com a enguia?
C.L.M.: Perfeitamente possivel. É um trabalho moroso, mas possivel de ser feito. As nossas idas aos restaurantes visam precisamente preservar a identidade das receitas tradicionais, sempre com o intuito de que cada visitante dos restaurantes de Salvaterra seja bem servido e vá satisfeito. É meio caminho andado para que para o ano volte cá e traga mais pessoas. Mas se tal não acontecer, as pessoas mostram desinteresse e não voltam. A enguia é um daqueles pratos que ou está bem confeccionado e as pessoas gostam e voltam para comer ou então deixam de comer, se se verificar o inverso.
“A enguia é um daqueles pratos que ou está bem confeccionado e as pessoas gostam e voltam para comer ou então deixam de comer, se se verificar o inverso”
Luís Machado é o presidente do júri do Mês da Enguia, e uma das suas funções é zelar pela manutenção da qualidade na confecção desta iguaria, que o Chef gostaria de ver como produto registado de Salvaterra de Magos. Foi esse, aliás, o desafio que deixou a Hélder Esménio aquando da cerimónia de apresentação da vigésima edição do evento. O presidente da Câmara garantiu tratar-se de uma sugestão a ter em conta, ao mesmo tempo que Machado eleva a fasquia da exigência como condição para o sucesso futuro da iniciativa.